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02 março 2013

O Vale do Côa – um Património ao serviço das Populações Locais

Fotografia: Jorge Delfim
Desde o momento em que o então primeiro-ministro António Guterres anunciou a suspensão das obras da Barragem do Vale Côa, iniciou-se uma viagem no tempo longo, até ao passado, no Neolítico, e pelo tempo que foi decorrendo sobre aquela decisão até aos dias de hoje.

Quem passe pelas curvas fechadas da estreita estrada que desce de Vila Nova de Foz Côa até ao Pocinho, vai-se apercebendo da grandiosa majestade da paisagem, constituída pela profundas escarpas que escondem o leito do rio, só o deixando ver aqui e ali, como se de uma joia brilhante se tratasse e fosse necessário preservá-la dos ambiciosos olhares humanos, com receio de apropriação indevida ou desaparecimento.
Sem dúvida que ali se encontra um tesouro incalculável que foi guardado pela cápsula do tempo cronológico, para chegar até nós como verdadeiro projeto civilizacional que os nossos maiores, de remoto tempo histórico, nos quiseram legar.
Não é fácil a qualquer civilização guardar as suas memórias culturais, estéticas e artísticas para serem vistas, interpretadas e utilizadas num futuro distante, como também não seria garantido que uma qualquer mensagem que hoje fosse enviada para o futuro, a uma distância de 35 a 40 mil anos, pudesse encontrar os seus destinatários e, assim, cumprir a sua missão de modo a estabelecer a ponte científica e cultural que liga os dois tempos cronológicos da humanidade, provocando um encontro intelectual de dimensões inimagináveis.
Ali, no Vale do Côa, podemos, de um modo indelével, realizar essa viagem assombrosa e quase percecionar os emissores da mensagem que somos capazes de olhar sem, contudo, conseguirmos decifrar cabalmente o seu verdadeiro significado.
Fotografia: Adriano Ferreira

Fotografia: Jorge Delfim

Não sei se os nossos antepassados do Vale do Côa foram capazes de prever que, quando a sua mensagem fosse encontrada, a uma distância de dezenas de milhares de anos, ela iria imprimir um movimento inusitado de pessoas para investigar, proteger, valorizar e divulgar, não só o suporte da mensagem mas a própria mensagem. Porém, mesmo que as previsões não tenham sido essas, a verdade é que mais uma vez estão presentes, de modo muito dinâmico, fazendo com que a comunidade local beneficie diretamente com o seu trabalho, quer pela participação direta na economia local, quer pela capacidade de gerar fixação de pessoas que assim engrossam a comunidade e contribuem para uma mais-valia territorial que, de outro modo, seria difícil alcançar.
Quem sabe se por aquelas terras ainda vivem, trabalham e criam futuro alguns descendentes dos criadores das gravuras rupestres? Exista ou não essa ligação ao passado através da descendência, existe no Vale do Côa um património de grande relevância para a valorização da região e para o seu desenvolvimento.
Igualmente importante é a adoção desse património pela comunidade local, o que tem gerado profícuas associações com o Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC), contribuindo para uma dinâmica mais efetiva, quer das atividades económicas, quer das ações educativas e culturais.
Podemos afirmar que, passado o ambiente de desconfiança e de rejeição dos primeiros anos por parte das comunidades locais em relação ao PAVC, este desenvolveu o seu trabalho numa perspetiva de preservação, gestão integrada e divulgação, conseguindo fazer passar para as populações o sentimento de pertença e de identificação com valores intangíveis do património coletivo, que haveria de vir a afirmar-se um motor de desenvolvimento sustentável capaz de apoiar as capacidades endógenas de uma região tradicionalmente deprimida e abandonada pelos poderes públicos.
Exemplo de esforço, trabalho continuado, resistência às pressões e às contrariedades, o PAVC afirma-se, hoje, como uma estrutura de base local com dimensão nacional e internacional, contribuído qualitativamente para uma melhor relação dos portugueses com o seu património e para potenciar os fluxos de turismo científico e cultural, que se dirigem para Portugal, motivados por publicações e imagens de um vale mágico, aqui de longos horizontes, acolá de inesperados declives, a que se soube acrescentar o encanto e a arte feita para trazer até nós a mensagem do passado humano que, mais ou menos inteligível, fez de nós os seus fiéis depositários, talvez com o propósito de fazermos dela um elo de ligação a outros povos e de a colocarmos aos serviço das funções económicas, educativas, culturais e sociais relevantes que a História e a Arqueologia têm procurado fazê-la desempenhar.

Por: José Quelhas Gaspar
Fonte: o interior

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